Reflexões sobre "birras" e "manhas"

Começo dizendo que, as vezes, ter uma outra visão das coisas já facilita muito lidar com elas de um jeito mais leve!
Então, em vez de começar dizendo que a fase de birras e manhas "infelizmente é normal" vou trocar para: "é NATURALMENTE normal"!

Certa vez li uma frase que me tocou profundamente, dizia assim: "quando uma criança começa a dizer não para o mundo é porque está começando a dizer sim para si mesma."
Todos queremos filhos seguros, independentes, com capacidade para argumentar e defender suas opiniões, e quando eles começam a se mostrar assim, quase enlouquecemos, pois consideramos que é um mal comportamento! 




Em primeiro lugar, passemos a enxergar esta fase como natural dentro do processo de desenvolvimento de bebês e crianças saudáveis. 
Aceitemos, de forma natural, que chega um momento, por volta dos 2 anos (uns antes e outros depois), que bebês e crianças começam a se impor!
Aquele bebezinho calmo e obediente se torna um serzinho terrível, cheio de desejos, manias e que está disposto a qualquer coisa para defender suas vontades!
E isto, na verdade, é lindo, claro que a MANEIRA como eles fazem isso é que é difícil de lidar!! 

Por outro lado, de que outra maneira eles expressariam isso, sendo ainda tão pequenos??
De que outra maneira, a não ser chorando, gritando ou até mesmo esperneando, eles poderiam defender seus desejos e opiniões? 
Se esta é a forma de comunicação que eles possuem, é isto que eles usarão para tentar expressar o que sentem e querem!

Sim, é uma forma de comunicação, precisamos ter isso muito claro ao pensar nas crises de choro, de "birras" e "manhas". 
É uma forma de comunicação imatura, de alguém que está em pleno processo de desenvolvimento e que ainda não domina a linguagem.

Antes que fiquem bravos comigo, digo logo que não acho que seja fácil, e nem que o comportamento deles deve ser ignorado, pelo contrário, eu defendo que nada no bebê ou na criança deve ser ignorado, estou apenas dizendo que, em primeiro lugar, podemos olhar de uma outra maneira, uma maneira mais positiva e menos limitada. 
Dito isso, a dica seguinte é para que você nunca se coloque na posição de desafiado ou manipulado pelo bebê/criança!

Acredite: se seu filho tem menos de 3 anos ele NÃO está fazendo isso! 
Ele sequer tem maturidade neurológica para fazer isso.

Este texto não é sobre isso, mas você pode facilmente encontrar estudos sobre o desenvolvimento cerebral humano, e descobrir que as áreas cerebrais necessárias para manipular os outros, ainda nem estão formadas na criança pequena. 
Manipular, tiranizar, hostilizar, isso tudo, sinto em dizer, é coisa de adulto, não de criança... 

Portanto, em um momento de crise, acalme-se e lembre-se que o adulto da situação é você! 
Sim, eu sei que isso é difícil, mas se você refletir sobre essas coisas ANTES, fica mais fácil lidar depois!

Recapitulando: eu disse que ele não tem maturidade neurológica para fazer isso, e é verdade, por mais inteligente que seja seu filho (e a gente tem certeza de que ele é o mais inteligente) você precisa entender que ser um bebê/criança esperto e inteligente não tem a ver com saber controlar perfeitamente suas emoções. 
Se formos auto críticos e sinceros, seremos obrigados a admitir que nem nós, adultos, temos assim tanto controle emocional quanto gostaríamos que as crianças tivessem! 
Exigimos das crianças aquilo que nem nós somos capazes. 

Duas coisas importantes, que se estiverem claras dentro de você, ajudarão nos momentos intensos: saber que o bebê ou criança pequena não assimila o "não", e que não está sendo um tirano manipulador.
O argumento mais usado para "provar" que bebês e crianças são manipuladoras é a velha história de que eles param de chorar se não tem ninguém olhando, e junto a este argumento, sempre vem o "conselho" de que o choro deve então ser ignorado.
Mas francamente, isto não quer dizer que bebês e crianças são manipuladoras, isto quer dizer que elas não são malucas, lembra que eu disse que o choro é a forma que eles tem para se comunicar? Se é uma tentativa de se comunicar sabemos que ninguém em sã consciência faz isso quando não tem ninguém olhando não é?
Se é uma tentativa de se comunicar, então, obviamente, é preciso que outra pessoa esteja perto, é preciso conseguir a atenção da outra pessoa, e por isso, ignorar o choro é apenas uma forma cruel de negligência emocional. 

Dito tudo isso, vamos para as dicas mais práticas sobre como lidar com essas situações!
Não pense que você precisa IMPOR limites! 
Creia: seu filho não precisa que os limites lhes sejam impostos.
Acalme-se, eu explico para evitar distorções: não estou dizendo que bebês e crianças não devem ser educados ou contrariados nunca, o que quero dizer é que o mundo já está cheio de limites, os limites já existem, e nós adultos conhecemos quase todos eles, o que os bebês e crianças precisam é de AJUDA para começarem a perceber e a lidar corretamente com todos esses limites!

Os limites tem a ver basicamente com duas coisas : segurança e respeito, tanto para si mesmo quanto para os outros.
Não precisamos nos preocupar tanto em IMPOR os limites, mas sim em como AJUDAR os bebês e crianças a compreenderem os limites (segurança e respeito), esta tarefa depende muito mais de como agem os adultos do que dos bebês e crianças pequenas propriamente!
Sugiro a leitura do livro, ou que assistam o DVD, "A Criança Mais Feliz do Pedaço", neles o autor Dr. Karp dá dicas preciosas sobre como lidar com as crises das crianças. 

Aqui em casa creio que uma das principais dicas foi feita por puro instinto, e sempre funcionou bem como primeiro passo: o bebê precisa saber que foi ouvido, que foi compreendido, uma conexão com ele precisa ser criada naquele momento, portanto, a sua principal, e mais difícil missão, é conseguir estabelecer um contato com o pequeno!

A primeira coisa a fazer é conseguir a atenção do bebê, e para isso, repetir o que ele está solicitando, várias vezes, costuma ser a melhor maneira! 
Antes de negar, argumentar ou explicar qualquer coisa é necessário que exista uma conexão, para isso repita várias vezes aquilo que é exatamente o motivo da crise do bebê, ele vai parando com o choro, e então você poderá agir de outras maneiras! 
Por exemplo, se ele está chorando porque quer um biscoito, antes de negar ou tentar explicar todas as razões que você tem para não dar o biscoito, repita várias vezes: "você quer o biscoito?", "está chorando porque quer um biscoito agora?", "o bebê quer um biscoito?". 
Isso costuma ser o bastante para que ele comece a te ouvir, pois ele percebe que foi compreendido e acolhido, a partir daí, por ter conseguido se conectar com ele, é possível outras ações. 

Seguem algumas dicas para reflexão pessoal:

- Ajuda conversar sempre com seu bebê, por menor que ele seja. Avise o que acontecerá ou o que será feito em seguida! 

Imagina como deve ser angustiante ser manipulado, despido, carregado, levado de um lado a outro sem que te digam o que está acontecendo? 

Avise: vou trocar suas fraldas agora, vamos ao mercado, já estamos chegando, vou descer do carro e tirar você da sua cadeirinha, daqui a pouco vamos tomar banho, vamos visitar a vovó...

- Não trate seu filho como um acessório a ser carregado de um lado para o outro, e acredite: isso diminui a ansiedade, os acalma.  

Desde pequeninos eles irão se acostumar ao diálogo, com você falando, com a sua voz.  

E quando as coisas começarem a fazer sentido para eles, quando eles começarem a compreender melhor, estarão tranquilos e confiantes de que você sempre os avisará sobre o que vai acontecer!

- O momento da crise, do "piti", do ataque, NÃO é engraçado! O bebê/criança precisa ser levado a sério! 

Ele está em crise, não sabe ainda lidar com a frustração, é uma situação triste para ele, por mais cômica que seja a cena: não ria, não brinque, não ridicularize, NÃO HUMILHE  a criança! 

Para isso, imagine-se tendo uma crise de raiva ou de nervoso, e enquanto de maneira confusa e nervosa, você tenta explicar para quem você mais ama e confia o que está se passando, esta pessoa simplesmente ri na sua cara, acha graça de você e diminui o que você está sentindo?

Desagradável e irritante (no mínimo) não é?

Portanto, leve a sério o seu filho, leve a sério os sentimentos do seu filho.  

Para ele aquela é uma situação que exige respeito e compreensão, só assim ele poderá confiar que pode contar com você, que você o ajudará a lidar com aquelas sensações tão fortes e desagradáveis que está sentindo.

Só assim ele poderá confiar que você está ali sempre para ajudá-lo e para apoiá-lo, mesmo quando o contrariar!

- Seja coerente. Não adianta dizer que não pode alguma coisa e depois agir de modo que se contradiga, confundindo o bebê. 

Por exemplo, não adianta dizer que não pode subir em cima da mesa e, se um dia surpreende-lo em cima da mesa, primeiro tirar uma foto para postar no facebook a peraltice do pequeno para só depois tirá-lo de lá.

Ele vai sentir que você não ficou bravo ou assustado de verdade. 

Não, ele não irá manipular isso.  

Mas sendo incoerente VOCÊ passará uma mensagem confusa, enfim, ele não saberá quando você achará graça e quando você realmente estará falando sério! 

E a SUA incoerência não é justa com o seu filho, não é mesmo?

- Nunca se refira de forma negativa sobre seu filho: peste, capetinha, insuportável, danado, me tira do sério, me mata de raiva... 

São termos, na minha opinião, ruins demais para se dirigir ao próprio filho.  

As crianças começam a construção da auto estima e da própria personalidade baseadas naquilo que escutam sobre si mesmas, acredito realmente que eles acabam assumindo essas definições, já que são as usadas pelas pessoas que elas mais confiam e amam!

- Para explicar as coisas, use uma linguagem que a criança compreenda, por exemplo, não adianta falar que fios e tomadas dão choque, se a criança nunca levou um choque (e esperamos que nunca leve um), ela não vai compreender por que não pode mexer nos fios e tomadas.

O mesmo serve para não mexer no fogão porque "queima", procure definir as coisas como "perigoso, porque faz dodói", ou a maneira como a sua criança entende machucado ou dor!

Claro que conforme ela for crescendo as maneiras de explicar também devem ser expandidas!

- A próxima dica é algo que eu acho muito, muito importante, é esta regrinha que eu sempre falo: economize e valorize seu "não".

Isto não quer dizer (lembrando que o bebê nem assimila esta palavra) que você nunca poderá negar ou impedir um comportamento perigoso ou negativo.

Isso quer dizer apenas que você deve evitar dizer a palavra "não" para tudo, evitar dizer "não" de forma automática. Deixe para usar o "não" quando a situação for realmente grave ou séria!
Em vez de dizer "não pule no sofá" chame, e com naturalidade, como quem nem está proibindo nada, fale: "venha brincar aqui com tal coisa", depois diga com calma que não pode pular no sofá porque é perigoso, porque pode cair e se machucar.
Mas sinceramente, nem acho que existem tantas situações a serem veementemente negadas para o bebê ou para a criança. 

Noto os adultos, sem perceber, e até sem intenção, isolando cada vez mais as crianças, reproduzindo "nãos" sistematicamente, sem perceber que momentos preciosos de interação e carinho se perdem entre proibições sem sentido e vazias. 

Não pode mexer no fogão? É não pode mesmo!  Mas puxa vida, pode deixar a criança colocar os ingredientes na panela! 
Não pode mexer nas facas? Absolutamente NÃO!  Mas pode mexer nas colheres. 
Não pode mexer em determinadas portas do armário, mas pode deixar uma com coisas sem perigo que o bebê ou a criança possa explorar e manipular! 

Chame seu filho para participar das atividades da casa, o inclua o máximo possível na vida da família. 
Crianças não gostam de brincar sozinhas, isoladas, com seus brinquedos que praticamente brincam sozinhos. 
Crianças adoram se sentir úteis, participando, ajudando, isso já as acalma muito! 
Dá para incluí-las em quase tudo (quase).
Colocar a roupa na máquina de lavar (adoram apertar os botões para ligar), separar o lixo, varrer (compre vassourinhas e rodinhos), espanar, guardar compras, e muitas outras coisas mais!
Além de incentivar que seu filho seja naturalmente participativo, ele se acalmará, algumas tarefas você até vai demorar 3 vezes mais para fazer, mas afinal, para quê a pressa?

De outro modo, com um bebê ou uma criança chorando e esperneando você nem iria conseguir fazer nada mesmo... 
Não crie situações de conflito de forma desnecessárias. 
Com isso quero dizer que muitas vezes, "só para mostrar quem manda", "que é o bebê quem precisa acatar as ordens", a gente se torna intransigente, a gente acaba dificultando as coisas e torna a vida familiar um constante cabo de guerra, onde de um lado estão as crianças que tentam explorar a casa e do outro estão os adultos que tentam mostrar quem manda.
Se não pode mexer naqueles bibelôs lindos em cima da mesinha de centro: TIRE-OS DE LÁ!

Francamente? Isso não é "mudar a casa por causa do bebê"!
Isto é ADEQUAR a casa para mais um morador que há nela, e que merece respeito também!
É sua RESPONSABILIDADE deixar a casa segura e confortável para seu filho.

E daí vem outra dica:

- Não trate seu filho como se ele fosse alguém vivendo de favor na sua casa, tendo que ficar no canto dele, sem direitos, sem acesso a nada pois tudo é "dos outros"!

Trate seu filho como mais um morador, como alguém que vai viver ali também, dividindo o mesmo espaço, compartilhando das mesmas coisas! 
Se recebemos alguém de quem gostamos para passar uns dias em casa, gentilmente mudamos certas coisas de lugar, facilitamos o acesso da pessoa a tudo.  E para que ela se sinta realmente em casa geralmente dizemos: "não precisa pedir nada, pode pegar e usar o que você precisar ou quiser!". 
Por que não encarar o nosso filho como um morador, um habitante querido? 
Não é questão de se recusar a mudar coisas, é uma questão de compartilhar a casa com um serzinho que afinal, estávamos dispostos a compartilhar a vida não é?
Estou certa que cada um vai compreender o que estou querendo dizer, e tornar a casa segura, confortável e alegre para todos, inclusive o bebê/criança.
Claro que são apenas dicas, que usamos em casa e tem funcionado bem.
Porém, também devemos levar em conta que estamos falando de pessoas, de seres individuais e que devem ser vistos assim, sempre devemos levar em conta o temperamento natural das crianças. 
Por isso, para uns vai funcionar mais rápido, para outros demorará mais, para uns será mais fácil e para outros mais difícil.

Mas uma coisa eu digo: quanto antes começamos, melhores são os resultados.
Não é preciso esperar as crises de "birras" e "manhas" começarem, afinal, educamos a criança desde o seu primeiro dia de vida...
E assim, acaba sendo um exercício para nós pais, para nós os adultos, descobrirmos outras maneiras de lidar com os filhos.
De olharmos de uma forma mais positiva para eles, de os incluirmos mais na vida da família.
E principalmente descobrirmos maneiras mais inteligentes, criativas e eficientes de ajudarmos nossos bebês e crianças a entenderem o que nós, e a sociedade, esperamos deles.

Precisamos descobrir maneiras mais respeitosas e empáticas de ajudarmos nossas crianças a aprenderem a reconhecer e acatar os limites que estão relacionados a segurança e respeito!
Esta talvez seja a maneira mais trabalhosa, afinal é o NOSSO olhar que tem que mudar, é a NOSSA atitude que precisa ser revista. 
Até a imaginação e a criatividade acabam tendo um novo destaque em nossas vidas.
Mas com certeza, esta é a maneira mais verdadeira e eficaz, e pode ser uma fonte de descobertas, aprendizagens e infinita alegria, pois a base e a fortaleza de tudo passa a ser apenas o Amor que somos capazes de sentir! 

Este texto está imenso, e na verdade ele é um daqueles que, para ser bom mesmo, nem deveria ter um ponto final, pois cada mãe, cada pai, cada família tem uma dinâmica, e cada um poderia acrescentar a sua dica, dar o seu exemplo de como cuidar, criar e educar, mas acima de tudo: cada um pode mostrar como é possível conviver com respeito e Amor!



Luzinete R. C. Carvalho (Psicanalista) 
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